O choque da realidade em IN-SHADOW: A Modern Odyssey

“foi dito, nenhuma árvore pode crescer até o céu sem ter suas raízes no inferno.”
- Carl Gustav Jung

É com base nessa célebre citação de Jung que irei comentar uma das animações mais fantásticas e atuais que tive o privilégio de assistir e refletir a respeito: "IN-SHADOW: A Modern Odyssey", escrito, dirigido e produzido pelo artista conceitual búlgaro Lubomir Arsov, é um choque de realidade e tanto.


Confesso que, no início, pensei em se tratar de mais uma crítica social foda revestida de abstracionismo. Porém, logo no primeiro minuto a real intenção do autor se revela, fatídica: além de uma obra visual e tecnicamente soberba, de fato é uma crítica social foda, mas bem-embasada o suficiente para evidenciar a pacífica entrega da humanidade à sua própria ruína, numa série de eventos intrinsecamente ligados. 


Desde o nascimento, somos moldados pelo senso comum através de parâmetros pré-estabelecidos, para atender a uma finalidade tão desconhecida quanto duvidosa. Embora sejamos convencidos e tentemos nos convencer que somos únicos e especiais, essa é a principal matéria-prima utilizada pelos próprios mecanismos sociais para diluir nossa individualidade e padronizar a criatividade. A construção do indivíduo, a partir desse ponto pautada sobre valores puramente ilusórios, é algo tão frágil quanto as ideias que ele constrói sobre si mesmo e sobre o meio em que vive. O ser torna-se uma ilha, cercada de uma bolha de "certezas".

Quando essa bolha cresce e se depara com a realidade de milhares de outras idênticas bolhas, ela passa a buscar incessantemente uma forma de competir com as demais na tentativa de sobressair o quão diferente na verdade ela não é. Isso é alimentado, diariamente, pelas interações sociais que somente a globalização e sua avalanche cíclica e infinita de informação é capaz de prover.

Nessa eterna demanda por atenção e, consequentemente, por autoaceitação, passam despercebidos conceitos importantes de nossa própria psiquê. Quando por algum motivo a fragilidade dessa bolha é comprometida, isso nos permite olhar para fora, e novamente para nós mesmos de forma completamente diferente. A qualidade dessa diferença determina a solidão da alma, as depressões, os distúrbios de autoimagem - as expectativas tornam-se doenças silenciosas, corroendo-nos o cerne e alimentando o sentimento de incompreensão cercado de pessoas e seus sentimentos ruidosos.



A partir desse ponto, de tão entretidos na competição interpessoal pelo sucesso mais brilhante, passam despercebidos detalhes escancarados oriundos do consumo desenfreado. A indústria alimentícia, cujos meandros obscuros posteriormente geram nefasta demanda em seu imenso gado - nós - à indústria farmacêutica. Quem tem poder sobre os recursos que suprem o essencial, segundo por Maslow, têm poder sobre todo o restante: nos tornamos crias imperfeitas, fabricadas e, portanto, escravas das necessidades que eles mesmos fabricam.

Os conflitos bélicos e étnicos, o vício e o lucro infindável fruto da corrupção passam a ser apenas um cenário para as verdadeiras batalhas nos bastidores dos metafóricos Senhores do Tempo e do Destino, cujas decisões têm consequências avassaladoras sobre todos nós.

Descendo ao inferno dessa automutilação voluntária, desse circo assistido em tempo real, notamos que a força desse círculo vicioso é justamente a fragilidade das "certezas" que usamos para nos construir enquanto seres humanos.

A pergunta a ser respondida é: o quão drástica há de ser a mudança que irá despertar da consciência humana em sua plenitude?


Foram poucas as animações que assisti até hoje que tiveram o poder de me emocionar tanto, e ao mesmo tempo me fazer refletir verdadeiramente sobre muitas coisas. Recomendo o uso de bons fones para aproveitar a experiência da melhor forma que puder.

Escrito, dirigido e produzido por Lubomir Arsov
Original Soundtrack “Age of Wake” por Starward Projections
Composição de Sheldon Lisoy


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